Programa de etiquetagem do INMETRO prejudica Renault Fluence
Teste prático comparativo comprova classificação de consumo injusta no sedan de Renault
O programa brasileiro de etiquetagem veicular (do INMETRO) foi uma importante conquista para o consumidor. Saber exatamente quanto que um veículo gasta em combustível, antes de compra-lo, pode gerar uma enorme economia para o futuro proprietário. Aliás, o consumo de um carro hoje, e fator decisivo para a compra do mesmo, na maioria das situações de venda.
Entretanto, o programa de etiquetagem, não está livre de falhas ou equívocos. Ainda que o sistema adotado seja bastante técnico e preciso, falhas sempre podem ocorrer. E elas podem ser perigosas tanto quando informam consumo menor, ou maior, que o real realizado pelo veículo. E justamente por causa disso, que essa matéria foi produzida.
Desde sua validação no INMETRO, a letra de consumo atribuída ao sedan Renault Fluence, parece não fazer sentido com a realidade do modelo. O Fluence recebe uma injusta letra “D”, figurando como um dos carros mais gastões de toda a categoria de sedans grandes. Do ponto de vista técnico, existem diversos motivos para sustentar a afirmação de “injustiça”.
O Fluence foi um dos primeiros carros no Brasil a apostar, de forma consistente, na utilização do câmbio de tecnologia CVT (continuamente variável). Esse câmbio tem sido a saída para várias marcas que precisavam melhor a performance de consumo, em seus veículos. Como exemplo, temos a Toyota que abandonou um jurássico câmbio automático de 4 marchas no Corolla, por um câmbio CVT. A Honda também fez o mesmo no compacto Fit, trocando um câmbio automático de 5 marchas, por um CVT. A Subaru é outro exemplo de montadora que aposentou todos os automáticos, por câmbio CVT em todos os seus modelos. Assim, o CVT é uma ótima saída para quem quer economizar. E existem outros exemplos de uso do câmbio CVT em mais fabricantes.
Outro detalhe que pode interferir bastante no consumo de um carro é o tipo de moto r. E mais uma vez, o Fluence traz um moto r relativamente moderno, e equivalente aos concorrentes diretos. Com quatro cilindros, 2,0 litros – 16 válvulas, e potência máxima de 150 cavalos (no etanol), esse moto r flex está bem no meio (de uma média), dessa categoria de sedans.
Aliás, pouca gente sabe que o Fluence é na verdade um modelo Coreano. Ele veio da compra da divisão Samsung (de automóveis) por parte da Renault. Mas o fato mais curioso, é que o Renault Fluence herdou tanto a tecnologia do moto r 2.0 litros quanto o câmbio CVT, de outro carro japonês!
Todo mundo sabe que Renault e Nissan, hoje, são um mesmo grupo industrial. E por conta disso, as marcas compartilham muita tecnologia. Assim, o Renault Fluence herdou o moto r e o câmbio do Sentra.
Mas, o ponto principal dessa polêmica é que o Nissan Sentra, quando equipado com câmbio CVT, recebe letra “A” no PBVE. Já o Fluence, fica com um vergonhoso “D”. Então, vamos às similaridades dos dois veículos. Para começar, os dois carros têm exatamente 2,7 metros na distância entre-eixos. Os tamanhos também são próximos:
O Fluence tem 4,62m de comprimento, 1,81m de largura e 1,47m de altura
O Sentra tem os mesmos 4,62m no comprimento, 1,76m de largura e 1,51m de altura
O peso também é próximo, sendo o Fluence com 1.372kg e Sentra com 1.348kg.
O coeficiente de arrasto é o item que tem a maior diferença:
No Fluence é de 0,33, e no Sentra é de 0,29 (quanto menor, melhor). Ainda sim, uma diferença bastante pequena.
Os moto res também entregam resultados parecidos:
No Fluence, o moto r entrega 143 cv no etanol, e 140 cv na gasolina de potência máxima
No Sentra, o moto r entrega sempre 140 cv (no etanol e na gasolina)
O torque máximo no Fluence é 20,3 kgfm (etanol) e 19,9 kgfm (gasolina)
No Sentra é sempre 20 kgfm (etanol e/ou gasolina)
Número mais curioso ainda é a aceleração de 0 à 100km/h nos dois carros. O Fluence faz a melhor marca em 9,9 segundos, e o Sentra em 10,1 segundos. Na prática, é o mesmo resultado.
Até aqui fica muito claro que os carros são incrivelmente parecidos!
Então, como um deles recebe letra “A“, e o outro recebe letra “D”?! Realmente, esse resultado não faz sentido técnico. E foi exatamente isso que comprovamos em nosso teste.
Para isso, resolvemos colocar um Renault Fluence e um Nissan Sentra numa prova real, visando confirmar a informação de consumo, dos dois carros, e comparar com os dados fornecidas pelo PBVE. Contamos com o apoio das concessionárias Valec. Além de ser um dos maiores representantes da marca Renault no interior do estado de São Paulo, a Valec também representa a marca Nissan, na cidade de Sorocaba.
Para esclarecer as diferenças técnicas entre o Fluence e o Sentra, contamos com a ajuda da equipe de pós-venda das concessionárias Renault e Nissan, do grupo Valec. O moto r é muito parecido, com pequenas diferenças no cabeçote e módulo de injeção eletrônica. Uma das diferenças está nos bicos injetores. Segundo Tadeu Costa, gerente de pós-venda da Renault Valec, os bicos injetores são visualmente iguais, porém trazem códigos diferentes. Uma olhada mais atenta revela que o bico usado no moto r do Sentra possui mais orifícios no injetor. Também existe um anel colorido diferente para diferenciar os bicos.
O câmbio também é muito parecido, derivando de uma mesma tecnologia CVT. Mas existem diferenças. Segundo Fábio Pedroso, chefe de oficina da Valec Nissan, o câmbio do Sentra atual é mais moderno e utiliza um óleo mais novo, de especificação NS-3. Já o Renault Fluence, o óleo é de especificação NS-2, igual ao do Sentra de geração anterior.
Então, nessa matéria, utilizamos dois carros das respectivas concessionárias. Ambos compõem a frota de test-drive oferecida aos clientes. Assim, foram utilizados um Nissan Sentra SL, e um Renault Fluence Dinamique Plus. Cabe destacar que ambos os carros são praticamente 0 KM, com menos de 1 mil km rodados, em cada um deles.
Procedimentos adotados
E para efetuar esse teste de consumo, foram tomados diversos cuidados técnicos. Ambos os carros foram abastecidos em sequência no mesmo posto, no mesmo horário, na mesma bomba, no mesmo bico e pelo mesmo frentista. Utilizamos gasolina comum. Aliás, o critério para o limite do abastecimento no tanque foi a “terceira trava automática” da bomba.
Além disso, ambos os carros tiveram o módulo de injeção resetado, pelos respectivos gerentes de oficina das Concessionárias Valec Renault e Nissan, de Sorocaba. Os dois veículos ainda passaram por uma checagem completa, para atestar o perfeito estado de funcionamento, de acordo com as normas de fábrica. Até os pneus foram calibrados de acordo com a exigência do manual. Assim, ambos os carros estavam no mais perfeito estado de funcionamento.
Com os procedimentos mecânicos controlados, ambos os veículos também estavam exatamente com a mesma carga: apenas uma pessoa por veículo (o moto rista) com peso entre 70 e 80 kg.
Roteiro do teste
O roteiro dos carros para o teste de consumo, foi estabelecido partindo das unidades Valec Renault Nissan de Sorocaba, com destino a Valec Renault(em Campinas) na avenida John Boyd Dunlop. Depois, seguir até a outra unidade da Valec dentro da cidade (em Campinas, próxima do Cambuí) na Avenida Moraes Sales. E por fim, retornar as unidades da Valec Renault Nissan (que são vizinhas de parede), em Sorocaba. Esse trajeto de pouco mais de 200 KM, conta com cerca de 75% na estrada, e 25% de cidade.
Condução dos veículos
Ambos os veículos foram dirigidos de forma suave, sempre respeitando os limites de velocidade de todas as vias. Também fizeram 100% do trajeto com o ar-condicionado ligado. Além disso, os computadores de bordo foram inicializados no posto de gasolina, no momento do primeiro abastecimento. Durante todo o trajeto os dois veículos andaram juntos, sendo submetidos às mesmas condições de temperatura, transito e dirigibilidade. Para não haver vício entre carros e moto ristas, os moto ristas se revezaram nos carros por mais de 3 vezes, durante todo o trajeto. Por fim, nenhum carro ficou na frente o tempo todo. No circuito rodoviário cada um se revezou por mais de 2 duas na frente, para não haver benefício do carro de trás, receber menor arrasto aerodinâmico. Além disso, os carros sempre mantiveram uma distância maior que cinco veículos (um do outro) quando conduzidos na estrada.
Medição pelo computador de bordo
A primeira parcial de consumo foi tirada em frente a concessionária Renault Valec, em Campinas. Lá, os dois carros marcavam consumo idêntico de 12,1 km/l, via computador de bordo. A segunda parcial (acumulada) foi obtida na segunda loja da Renault Valec (também em Campinas). Nesse momento, ambos os carros, mais uma vez, tinham marcação igual de consumo, com 11,1 km/l. O teste foi concluído chegando no mesmo posto de abastecimento inicial, na cidade de Sorocaba. O Renault Fluence marcava 12,1 km/l, enquanto o Nissan Sentra marcava 12 km/l.
Medição na bomba
É sabido que computadores de bordo, ainda que bastante precisos, não informam uma condição exata. Então, mais uma vez, os carros foram abastecidos em sequência, no mesmo posto, na mesma bomba, no mesmo bico, pelo mesmo frentista e com a terceira trava automática. Os carros também estavam na mesma posição, sem inclinação do piso. Na bomba, o tanque do Sentra recebeu 17,3 litros de gasolina comum. Já o Fluence recebeu 17,8 litros.
As medições gerais
Os dados obtidos pelos respectivos computadores de bordo, informaram o seguinte:
Renault Fluence
Distância Percorrida: 204,6 km
Consumo médio: 12,1 km
Velocidade média: 54 km/h
Eco Scoring: 75
Nissan Sentra
Distância Percorrida: 201.9 km
Consumo médio: 12 km/l
Velocidade média: 53 km/h
Eco Scoring: 70
Algumas considerações
Ainda que os carros tenham andado rigorosamente juntos o tempo todo, pelo mesmo caminho, houve uma diferença de pouco menos de 3 km nas medições. Isso é bastante normal. Mesmo em ralis de regularidade, competidores são instruídos por planilhas, a zerar odômetros a cada trecho de 10 ou 15 km. Isso é feito justamente para minimizar os erros, das tolerâncias admitidas nos medidores. Ainda sim, no nosso teste, estamos falando de um erro menor que 2 %!
Outro dado relevante é o indicador de Eco-Scoring de ambos os carros. Esse indicador mede como o moto rista dirige. É avaliada a forma de aceleração, frenagem e antecipação de como o moto rista está dirigindo. Não podemos afirmar que a lógica é exatamente a mesma utilizado no Fluence e no Sentra. Mas podemos especular que elas devem ser muito parecidas, uma vez que a Renault e a Nissan compartilham suas tecnologias.
Dessa forma, obtivemos 70 pontos (de 100) no Sentra, e 75 pontos (de 100) no Fluence. Isso indica que os carros foram dirigidos de maneira muito parecida, em todo o trajeto. Por fim, o erro de velocidade média e consumo no computador de bordo são decorrentes das medidas absolutas de espaço (quilometragem).
O que realmente vale!
O que realmente importa é que nesse teste, o Fluence consumiu apenas 450 ml de gasolina à mais que o Sentra. Se considerarmos que cada um dos carros tem média de 12 km/l, com esses 450 ml, o Sentra rodaria cerca de 5 km à mais. Num trecho de pouco mais de 200 km, isso não dá nem 2,5% na diferença de performance.
Será que os dados no PBEV estão ERRADOS?!
Nesse teste real, com combustível normal, em ruas e estradas de verdade, e com diversos parâmetros controlados, ficou muito claro que Renault Fluence e Nissan Sentra são muito parecidos, sob o aspecto de tecnologia e performance.
O nosso teste validou com precisão a letra “A” que o Nissan Sentra recebe no PBEV. Os números obtidos são totalmente condizentes com o que é informado na tabela do INMETRO que são de 10,2 km/l na cidade, e 12,9 km/l na estrada, com gasolina.
Entretanto, os dados do Renault Fluence estão consideravelmente diferentes do que o informado no PBEV que são 8,6 km/l na cidade, e 10,9 km/l na estrada, com gasolina. Aliás, eles não passam nem perto do que foi medido em nosso teste. Então, a letra “D” para o Fluence, definitivamente não condiz com uma situação real de uso.
Porque esse teste foi feito
É muito difícil encontrar um cliente de Renault Fluence, reclamando de consumo elevado. Aliás, normalmente, o carro é elogiado pelos seus proprietários. Entretanto, a injusta letra “D” no INMETRO, faz o carro perder de forma recorrente, muitos potenciais clientes. Diversos gerentes e vendedores da Renault informam históricos de uma perda de venda, quando o cliente fica ciente da tal letra “D” no INMETRO. Isso coloca o Fluence como um dos piores da categoria. O que na verdade, não acontece no uso real, de forma comprovada.
Conclusão
Fica muito claro que a Renault precisa rapidamente refazer o teste de consumo do sedan Fluence, no INMETRO. É muito incoerente essa classificação do Fluence. E ainda que essa letra “D” seja real de alguma forma, isso só comprova que a engenharia da Renault do Brasil foi bastante ineficiente em aproveitar a tecnologia da Nissan. Afinal, conseguir “estragar” tanto um carro, que usa praticamente a mesma tecnologia de powertrain de outro carro tão eficiente (sob o aspecto de consumo) é uma falha muito grande!
Revista Comprecar
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